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"A construção da casa comum da humanidade exige uma nova consciência ética"
Quando se olha para a presente situação do mundo, não é difícil constatar que o que está decisivamente em crise é a razão moderna com o seu imperialismo devastador. Ao contrário do que pensam os seus profetas mais ardentes, após a crise/implosão do chamado "socialismo real", o capitalismo desenfreado, neoliberal, não constituiu de modo nenhum a solução do futuro nem é a palavra mágica, decisiva e definitiva da História. A prova está em que pretender que toda a humanidade viva segundo os padrões do mundo mais desenvolvido, tecnocrático, seria pôr fim à própria possibilidade de continuação da História.
O modelo dos países do hemisfério norte, sendo necessário sublinhar que ele se implantou já noutras paragens, não pode estender-se ao mundo inteiro, isto é, não é universalizável, sob pena de pura e simplesmente não haver futuro para o planeta. E, não sendo universalizável, não é ético.
A crise ecológica, de que os pobres acabam por ser as principais vítimas e também, na luta pela sobrevivência, uma das grandes causas, coloca-nos perante a crise da nossa civilização, que pretendeu organizar a casa comum da humanidade com base na ideologia do progresso ilimitado. Urge, pois, mudar de rumo, o que implica pôr ter termo a um antropocentrismo exacerbado e reconhecer e respeitar o valor da natureza e de todos os seres do ecossistema, a começar pelo homem e pela mulher pobres e explorados. Impõe-se uma conversão sócio-ecológica, no sentido da transformação do modelo de desenvolvimento em que assentou a modernidade.
Se é o presente modelo de desenvolvimento que gera simultaneamente a crise ecológica e a injustiça estrutural no mundo, então a construção da casa comum da humanidade exige uma nova consciência ética -- veja-se a ligação entre ethos, que também significa habitação, toca do animal, e donde provém ética, e oikos, que significa casa, interconectando ética, economia (lei, governo da casa) e ecologia (tratado da casa, que hoje percebemos melhor ser a casa comum de todos) --, aliada a uma nova proposta político-cultural global, para uma nova ordem económico-ecológica global, no quadro de um autêntico eco-humanismo, proposto pelo Papa Francisco — diga-se entre parêntesis que, se não fosse por muitas outras magnas razões, Francisco ficaria na História por causa da sua encíclica Laudato Sí, onde aparece o conceito de “ecologia integral”, que mostra que a degradação do meio ambiente e a degradação do mundo social caminham juntas.
Hoje, tomamos consciência de que tudo e todos estamos interligados e somos interdependentes. Isto pelo menos nos deveria ter ensinado a pandemia: infectamo-nos uns aos outros e, por isso, ou nos salvamos juntos ou nos perdemos todos. Só posso estar de acordo com o filósofo Peter Sloterdijk, quando, com outros, propugna uma “Declaração de Dependência” universal, assinada por todos.
Assim, dadas as relações realmente existentes entre todos e o vínculo indissolúvel com a catástrofe ecológica, damo-nos pela primeira vez conta de que, perante a ameaça comum de que somos objecto todos, se impõe que a humanidade, se quiser ter futuro, se tem de tornar sujeito comum da responsabilidade pela vida. Ou a humanidade como todo se torna sujeito do seu futuro e da responsabilidade pela vida em geral ou pura e simplesmente não haverá futuro para ninguém. Em termos simples e cínicos: se não quisermos ser solidários uns com os outros por razões de ética e humanidade, sejamo-lo ao menos por razões de egoísmo esclarecido.
A globalização arrasta consigo inevitavelmente questões gigantescas e desperta paixões, que nem sempre permitem um debate sereno e racional. Mais uma vez, o teólogo Hans Küng procurou contribuir para esse debate, que assenta, segundo ele, em quatro teses: a globalização é : 1. “inevitável”, 2. “ambivalente (com ganhadores e perdedores), 3. “incalculável” (pode levar ao milagre económico ou ao descalabro), mas também -- e isto é para mim o mais importante — “dirigível". Isto significa que precisamente a globalização económica exige uma globalização no domínio ético. Impõe-se um consenso ético mínimo quanto a valores, atitudes e critérios, um ethos mundial para uma sociedade e uma economia mundiais. É o próprio mercado global que exige um ethos global, também para salvaguardar as diferentes tradições culturais da lógica global e avassaladora de uma espécie de "metafísica do mercado" e de uma sociedade de mercado total.
Quem é que responsavelmente pode aceitar que a moral no domínio económico se identifica com o incremento insaciável do lucro? Tornou-se claro que a mão invisível do mercado que funcionaria a favor de todos os cidadãos não passa de "um mito refutado pela realidade", exactamente como a ideia de que o socialismo conduz todos os homens ao "paraíso do bem-estar", escreveu Hans Küng. Por isso, à economia de mercado tout court é preciso contrapor a economia social e ecológica de mercado.
O sentido da economia e da política só pode ser o serviço da vida. Trata-se de uma política para a vida (Vitalpolitik, segundo Peter Rüstow), que sabe que, ao contrário de uma política da concorrência, orientada só para a eficiência, tem em consideração muitos outros factores, já que que, em ordem ao bem-estar, a uma sociedade boa, a uma vida feliz, para os seres humanos, incluindo os capitalistas, não basta a economia. O homo sapiens não se identifica pura e simplesmente com o homo oeconomicus.
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