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O pecado original. Com uma excepção?
Entrevista concedida ao director da agência italiana AdnKronos, Gian Marco Chiocci
Francisco é o Papa que mais entrevistas deu. É claro que, ao conceder entrevistas a grandes meios de comunicação social mundiais, acaba por falar mais directa e espontaneamente de temas que nem sequer apareceriam se se mantivesse nos pronunciamentos formais de homilias e documentos oficiais. De facto, os jornalistas são curiosos e fazem perguntas que o grande público também gostaria de fazer.
Acaba de ser este o caso com uma longa entrevista concedida ao director da agência italiana AdnKronos, Gian Marco Chiocci. Concedida na sequência e no contexto da destituição do cardeal Angelo Becciu, acusado de ter desviado fundos normalmente destinados aos pobres, para beneficiar a sua família, Francisco declara que a corrupção é “um mal antigo que se transmite e se transforma nos séculos”. Na Igreja, “a corrupção é uma história cíclica, repete-se, depois vem alguém que limpa e põe em ordem, mas depois recomeça-se, na expectativa que chegue outro para pôr fim a esta degeneração.” Numa Igreja para os pobres, mais missionária, não há lugar para quem enriquece e faz enriquecer o seu círculo, vestindo indignamente a batina.
“A Igreja é e permanece forte, mas o tema da corrupção é um problema profundo, que se perde nos séculos. No início do meu pontificado fui ao encontro de Bento XVI. Ao passar-me a ‘pasta’, entregou-me uma caixa grande, dizendo: ‘Está tudo aí dentro, estão os procedimentos com as situações mais difíceis, eu cheguei até aqui, afastei estas pessoas, e agora... cabe a ti.’ E eu não fiz mais do que recolher o testemunho do Papa Bento, continuei a sua obra.”
Neste contexto, e querendo desfazer dúvidas e insinuações, Francisco refere-se ao antecessor como “um pai e um irmão, escrevo-lhe por carta ‘filialmente e fraternalmente’. Vou ao seu encontro muitas vezes; se ultimamente o vejo menos é porque não quero cansá-lo. A relação é verdadeiramente boa, muito boa, concordamos sobre o que deve ser feito. Bento é um homem bom, é a santidade feita pessoa. Entre nós não há problemas, depois cada um pode dizer e pensar o que quiser. Pense nisto: até chegaram a dizer que tínhamos discutido, eu e Bento, sobre que túmulo cabia a mim e qual a ele.”
De volta à corrupção, refere o famoso bispo Santo Ambrósio: “A Igreja foi sempre uma ‘casta meretrix’, uma casta meretriz, uma pecadora. Melhor: uma parte dela, porque a grande maioria vai no sentido contrário, segue no caminho justo. Mas é inegável que personagens de vários géneros e importância, eclesiásticos e tantos leigos amigos fingidos da Igreja contribuíram para dissipar o património móvel e imóvel, não do Vaticano, mas dos fiéis.”
A situação quanto à opacidade da gestão das finanças do Vaticano, ao óbolo de São Pedro, à imprudência de certos investimentos, às actividades pouco caritativas de alguns pastores é mais grave do que suporia. Para “extirpar a erva daninha da corrupção não há estratégias particulares, o esquema é banal, simples, andar em frente e não parar, é preciso dar passos pequenos, mas concretos. Para chegar aos resultados de hoje partimos de uma reunião realizada há cinco anos sobre como actualizar o sistema judicial, depois com as primeiras investigações tive de remover posições e resistências, escavou-se nas finanças, tivemos novos directores no IOR (Instituto para as Obras de Religião, normalmente conhecido como Banco do Vaticano), numa palavra, tive de mudar muitas coisas, e muitas rapidamente vão mudar.”
E aparece a avó a dar bons conselhos: “Ela, que não era teóloga, dizia-nos sempre, quando éramos crianças: o diabo entra pelos bolsos. Tinha razão”.
E certamente não será inocentemente que Francisco venha lembrar a história da velhinha que encontrou numa imensa favela de Buenos Aires no dia em que João Paulo II morreu. Na Missa, rezou pelo Papa defunto. “Terminada a celebração, aproximou-se uma mulher muito, muito pobre, queria saber como é que se elege o Papa, falei-lhe do fumo branco, dos cardeais, do conclave. Ela interrompeu-me e disse: ouça, Bergoglio, quando for Papa, lembre-se de que a primeira coisa que tem que fazer é comprar um cãozinho. Respondi-lhe que dificilmente seria eleito Papa, mas, mesmo assim, perguntei-lhe porque é que devia arranjar um cão. ‘Porque sempre que vá comer, respondeu, dê-lhe primeiro um bocadinho e, se ele continuar bem, então continue o senhor também a comer.” O que é que levou Francisco a contar a história? É assim que está o Vaticano? Francisco imediatamente: “Tratava-se obviamente de um exagero. Mas exprimia a ideia que o Povo de Deus, os pobres entre os mais pobres no mundo, tinha da Casa do Senhor atravessada por feridas profundas, lutas intestinas, desfalques.” Terá sido só por simplicidade e porque gosta de estar com as pessoas que Francisco não quis ficar no Palácio Apostólico, preferindo vir para Santa Marta?
O Papa Francisco terá medo? A resposta desta vez é mais ponderada, confessa o jornalista, o silêncio parece nunca mais ter fim, parece que à espera de encontrar as palavras justas. “E porque havia de ter?”, pergunta.“Não temo consequências contra mim, não temo nada, ajo em nome e por conta de nosso Senhor.
Sou um inconsciente? Falta-me um pouco de prudência? Não sei o que dizer, são o instinto e o Espírito Santo que me guiam, guia-me o amor do meu povo maravilhoso que segue Jesus Cristo. E depois rezo, rezo muito, todos nós neste momento tão difícil devemos rezar muito por tudo o que está a acontecer no mundo.”
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