"A fé não pode entregar-se à cegueira, abandonando a razão"
O pecado original. Com uma excepção?
"A revolução de Jesus é a revolução da imagem de Deus"
Celebrávamos anualmente a Paixão de Cristo, mas com o perigo de não ir além de ritos muito certinhos, tantas vezes secos e insignificantes. Esquecêramos Pascal nos Pensamentos: "Jesus estará em agonia até ao fim do mundo. Importa não dormir durante esse tempo.” Agora, com uma guerra tenebrosa em curso, sabemos que a Paixão continua, e as personagens do tragédia são exactamente as mesmas.
Como acontece quase sempre, o poder religioso e o poder político ao mesmo tempo que se guerreiam juntam-se na defesa dos seus próprios interesses, que são os da manutenção e aumento incessante do poder. Assim, lá estão o sumo sacerdote Caifás -- não se tinha Jesus erguido, na continuação dos profetas, contra o poder sacerdotal, que se servia de Deus contra o povo? -- e a razão de Estado: era preferível matar Jesus a pôr em perigo as relações com Roma.
Pilatos, o representante do Império, convenceu-se da inocência de Jesus, mas a Realpolik não podia permitir o incêndio da sublevação do povo contra o Império. Por isso, lavou as mãos -- a proclamação da inocência hipócrita! -- e condenou-o à morte dos escravos: a cruz, com a morte mais horrenda. Nesse dia, Pilatos e Herodes, que eram inimigos, reconciliaram-se. O nome de Pilatos é dos nomes mais vezes pronunciados ao longo da História, pois está inscrito na confissão da fé dos cristãos. Mas é tal o desconforto que há aquele dito aplicado a quem se encontra fora do lugar, melhor, num lugar indevido: estás aí como Pilatos no Credo.
Os soldados cuspiram-lhe, puseram-lhe uma coroa de espinhos, açoitaram-no… Significativamente, quando um lhe deu uma bofetada, Jesus, que tinha dito para dar a outra face, ele próprio não o fez, pois é preciso manter a dignidade: “se disse mal, diz-me em quê; se disse bem, porque é que me bates?” A multidão -- essa, exactamente a mesma --, no Domingo de Ramos, clamou: "Hosana, hosana" e, na Sexta-Feira Santa, gritou: "Crucifica-o, crucifica-o". Não se pode confiar nas multidões, volúveis e manipuláveis.
Judas atraiçoou o Mestre. Vendeu-o por trinta moedas de prata. Ele faz parte da longa história dos traidores. Mas, pensando bem, não tinha sido ele próprio “atraiçoado”? De facto, ele esperava e empenhara-se com um Messias político, que tomasse o poder. Não podia entender que a revolução de Jesus era outra: a transformação radical do coração e a partilha e o serviço. Há sempre equívocos que levam ao desastre. Quando viu o seu erro, foi confesssar o seu engano, mas não encontrou compreensão; arrependido, não quis ficar com o dinheiro que, esprimido, derramava sangue, atirou-o para o Templo, e enforcou-se.
Pedro, no momento da prisão, puxou pela espada. Jesus, porém, mandou que a metesse na bainha, ficando a ecoar através dos tempos a palavra da não violência activa: quem mata com ferros com ferros morre. Pouco depois, o mesmo Pedro também se acobardou: quando uma jovem insinuou que ele era discípulo de Jesus, começou a jurar que nem sequer o conhecia. Depois, tomou consciência, arrependeu-se e chorou amargamente, confiando no perdão do amigo que pregara o amor aos inimigos.
Entre Jesus, que representa o amor e a paz, e Barrabás, que representa a violência, a multidão foi incitada a escolher Barrabás.
Os discípulos de Jesus, quando viram tudo perdido, fugiram todos apavorados. Embora forçado, um homem de Cirene ajudou Jesus a levar a Cruz; na vida, pode haver sempre um Cireneu. Entretanto, um simpatizante rico – José de Arimateia -- emprestou um túmulo novo. Os dois ladrões, que seriam dois terroristas, mesmo na iminência da morte, tiveram comportamentos diferentes: um arrependeu-se, o outro, desesperado, continuou a blasfemar. As mulheres foram quem manteve a dignidade: acompanharam-no até ao fim.
Antes de morrer, Jesus implorou o perdão para a Humanidade, também para aqueles que o torturavam e matavam: "Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem". E rezou aquela oração misteriosa que atravessa os séculos, transportando a dor e o clamor todo do mundo: "Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?"
Neste drama todo, o que mais impressiona é que Deus a quem Jesus tratava com ternura como Abbá -- Pai querido, Mãe --, não respondeu. As suas últimas palavras: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito.”
Aparentemente, foi a derrota e o fim. Mais um crucificado.
Por isso, o enigma do cristianismo é este: Porque é que os discípulos, que, apavorados, tinham fugido, lentamente voltaram a reunir-se e foram anunciar, dando a vida por isso, que aquele Crucificado é o Messias, o Enviado de Deus e é nEle que está a salvação?
O que é que se passou? A revolução de Jesus é a revolução da imagem de Deus. Nunca ninguém tinha dito, por palavras e obras: Deus é bom, Pai e Mãe de todos. E não tolera a opressão da religião e do poder. Foi uma coligação de interesses religiosos e imperiais que assassinou Jesus. Ele não fugiu, não se desdisse, foi até ao fim, para dar testemunho da Verdade e do Amor. Foi neste quadro que os discípulos, reflectindo sobre o modo como Ele se relacionava com Deus, sobre o modo como viveu, como morreu, foram fazendo uma experiência avassaladora de fé de que Ele, o Crucificado, está vivo em Deus para sempre. O Deus infinitamente poderoso e bom não podia abandoná-lo à morte.
Desde então, na expressão de George Steiner, é em Sábado que vivemos: entre a Sexta-Feira Santa, as suas dores, os seus horrores…, e o Domingo de Páscoa, com a esperança da vida plena para todos os crucificados.
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